Contratos eletrônicos celebrados sem a assinatura de duas testemunhas – exigência prevista no Código de Processo Civil (CPC) – possuem validade jurídica e, portanto, podem ser executados. Esse foi o entendimento dos ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgarem um caso envolvendo a execução de uma dívida decorrente de empréstimo firmado em contrato eletrônico somente com a assinatura digital das partes.
É um dos primeiros julgados que se tem conhecimento a reconhecer a possibilidade de um instrumento particular ser executado diretamente sem a assinatura de testemunhas, segundo advogados. A decisão se deu no julgamento de recurso (REsp nº 1495920) da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), que ajuizou execução de título extrajudicial, no valor de R$ 32,37 mil, baseada em contrato eletrônico firmado pela internet.
O processo foi extinto pelo juízo de primeira instância, sem a resolução do mérito, sob o argumento de que o contrato não poderia ser considerado um título executivo extrajudicial por não possuir a assinatura de duas testemunhas – como determina o artigo 585 do Código de Processo Civil de 1973. O acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) manteve a decisão. A fundação, então, recorreu ao STJ.
Para a advogada Estefânia Ferreira de Souza de Viveiros, do Viveiros Advogados Associados, que representa a Funcef, a decisão sinaliza que o STJ começou a reconhecer a equiparação dos contratos digitais aos físicos para fins de cobrança, permitindo a execução, que é um meio mais célere do que uma ação de cobrança. “A decisão é importante e inovadora, pois os tribunais estaduais vinham decidindo de forma contrária”, diz.
No CPC/73, conforme o artigo 585, são títulos executivos extrajudiciais a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor e o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas, entre outros. No código atual, de 2015, o disposto análogo é o artigo 784, segundo o qual, são títulos executivos extrajudiciais os documentos particulares assinados pelo devedor e por duas testemunhas.
Em seu voto, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirma que o contrato eletrônico, em decorrência de suas particularidades, entre as quais o fato de ser celebrado à distância e eletronicamente, não traz a indicação de testemunhas, o que, no seu entendimento, não afasta a sua executividade.
“A verdade é que nem o Código Civil nem o Código de Processo Civil se mostraram totalmente permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido experienciada no que toca aos modernos meios de celebração de negócios. Eles não mais se servem do papel, senão são consubstanciados em bits”, diz o ministro na decisão.
Para Fernando Gouveia, sócio do escritório Filhorini, Blanco e Carmeline Advogados, ao exigir assinaturas de testemunhas para que o instrumento particular seja considerado título executivo, o CPC estabelece uma maneira de garantir a existência desse pacto. “Tal regra, porém, adequada a outros tempos, revela-se inócua em face das novas modalidades contratuais”, diz, ao lembrar que, nos Estados Unidos, por exemplo, as assinaturas digitais já são previstas em lei federal desde o ano 2000.
Na sua visão, a decisão do STJ deve trazer segurança aos contratos particulares e proteger as partes contratantes nos tempos atuais. Além disso, na prática, o entendimento do tribunal conferiu às autoridades certificadoras um grau de confiança superior ao dos cartórios oficiais. Isso porque um contrato físico, mesmo com reconhecimento cartorial, só pode se tornar título executivo com a assinatura das duas testemunhas.
Já o advogado Renato Din Oikawa, do Levy & Salomão Advogados, faz ressalvas ao entendimento do STJ. Na sua opinião, como existe um rol taxativo de hipóteses no CPC para seja configurado um título executivo extrajudicial, os ministros relativizaram de forma ampla a exigência das assinaturas de testemunhas.
“Se chegarmos à conclusão de que qualquer contrato pode ser executado, seja físico ou eletrônico, sem a presença de duas testemunhas, corremos o risco de subverter a lógica do próprio processo”, afirma o advogado.
Fonte: AASP