Devo pagar o adicional de 10% do FGTS?

Devo pagar o adicional de 10% do FGTS

Em janeiro o jornal Valor Econômico publicou duas matérias sobre o adicional de 10% (dez por cento) do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. A primeira tratava de uma decisão judicial que afastou a cobrança de uma empresa optante pelo Simples Nacional e a segunda comentou algumas decisões de tribunais regionais federais que têm reconhecido a inconstitucionalidade da cobrança. No início deste mês de fevereiro, foi a vez do jornal Estado de São Paulo de abordar o tema.

As notícias do Valor e do Estadão levaram muitos empresários a se interessarem sobre o tema, especialmente pela relevância que esta contribuição ganhou durante a crise econômica dos últimos anos, um período de grande número de demissões.

Nós também, em nosso escritório, recebemos muitas perguntas sobre a legitimidade da cobrança do adicional. Mas a pergunta não é tão simples quanto pode parecer em princípio. Por isso, para bem respondê-la, precisamos primeiro definir a sua natureza jurídica dessa exigência.

 

Contribuição social

Esse adicional é, na verdade, uma contribuição social que foi criada pela Lei Complementar nº. 110 de 2001. Sua criação foi uma iniciativa do Poder Executivo que apresentou como justificativa a necessidade de complementação dos saldos do FGTS em decorrência das perdas resultantes da implementação dos planos econômicos Verão e Collor I. O prejuízo a ser recomposto era estimado em R$ 43 bilhões de reais.

Os empresários, então, foram chamados a pagar a conta que o próprio governo criou. Por isso foi criada, em junho de 2001, a contribuição social de 10% o montante de todos os depósitos devidos ao FGTS durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas. Esse valor não vai para o empregado, que continua a receber, nesses casos, a multa equivalente a 40% desse saldo do FGTS. Os 10% adicionais vão para as mãos do governo.

E, de fato, a Constituição Federal estabelece, em seu Artigo 149, a competência da União para instituir contribuições sociais, mas essa criação deve observar as limitações constitucionais ao poder de tributar. Por isso, desde a sua criação a contribuição de 10% do FGTS é objeto de questionamentos, que podem ser classificados em três argumentos diferentes.

 

1º argumento: falta de correlação entre necessidade pública e a fonte de custeio

O primeiro tipo de argumento levantado em favor dos contribuintes foi o de falta de correlação entre necessidade pública e a fonte de custeio. O Supremo Tribunal Federal analisou essa questão no julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade propostas, respectivamente, pela Confederação Nacional da Indústria – CNI e pelo Partido Social Liberal – PSL. É bem verdade que essas ADINs apresentavam também outros argumentos referentes aos princípios da anterioridade e da capacidade contributiva. Mas o argumento central era o de que os empregadores não tinham dado causa aquele déficit e, portanto, não poderiam ser responsabilizados por sua compensação.

O STF concluiu o julgamento das ADINs apenas em 2012. O então Ministro Joaquim Barbosa, que foi o seu relator, afirmou que os tributos eram um instrumento de justiça econômica e afastou o argumento da falta de correlação por entender que os repasses eram necessários ao restabelecimento do equilíbrio econômico do Fundo e que o desequilíbrio poderia afetar negativamente as condições de emprego, em desfavor de todo o sistema econômico.  Por isso seria justo, no entender dos Ministros, que os empregadores pagassem a conta.

O Ministro relator disse ainda que “a existência das contribuições (…) somente se justifica se preservadas sua destinação e sua finalidade. Afere-se a constitucionalidade das contribuições pela necessidade pública atual do dispêndio vinculado (motivação) e pela eficácia dos meios escolhidos para alcançar essa finalidade.” Essa afirmação nos leva ao segundo argumento dos contribuintes.

 

2º argumento: o esgotamento da finalidade

Como vimos, em toda a tramitação legislativa da Lei Complementar nº. 110/2001, assim como em sua exposição de motivos, a alegação fundamental é de que se tratava de uma contribuição social criada para transferir aos empregadores o custo de recomposição das contas do FGTS.

Porém, desde que a Lei entrou em vigor, manifestações públicas do Governo Federal e do Congresso Nacional deixam claro que essa finalidade foi plenamente satisfeita no mês de dezembro de 2006, momento em que o FGTS passou a dispor de capacidade econômica para se manter e suportar todas as suas despesas.

Ora, se desde 2006 o FGTS não tem mais uma condição deficitária e o impacto causado pelos expurgos inflacionários dos planos econômicos malfadados foi superado, então é preciso reconhecer que a finalidade da contribuição foi satisfeita.

Por isso muitos contribuintes passaram a argumentar que não havia mais legitimidade para a cobrança da contribuição.

Esse exaurimento da finalidade da contribuição tornou-se ainda mais claro quando, em 2011, o Governo deixou de repassar toda a arrecadação do tributo às contas do FGTS, mantendo os recursos em suas próprias contas para aumentar seu superávit. Configurou-se, portanto, o desvio do produto dessa arrecadação para finalidade diversa daquela que levou a edição da Lei Complementar nº. 110/2001.

Vale a pena lembrar também que, em 2013, a presidente Dilma Rousseff vetou integralmente o PLC 200/12. Esse projeto de lei complementar havia sido aprovado no Congresso Nacional e extinguiria a contribuição de 10% sobre o saldo do FGTS, tendo em vista o esgotamento da sua finalidade. A presidente, no entanto, vetou o projeto sob o argumento de que a “medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida”. E, de fato, o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional, no mesmo ano, o PLC 328, que previa que o produto daquela contribuição fosse transmitido para o “Programa Minha, Casa Minha Vida”. Esse projeto, todavia, não foi aprovado.

É claro, portanto, que a União tem utilizado a arrecadação da contribuição de 10% do FGTS para fins diversos daquele apresentado em sua instituição e isso levou muitos contribuintes a buscarem judicialmente a declaração de que sua cobrança não é exigível.

 

3º argumento: a Emenda Constitucional nº. 33/2001

O terceiro argumento leva em conta a edição, em dezembro de 2001, da Emenda Constitucional nº. 33 de 2001, que alterou a redação do Artigo 149 da Constituição. De acordo com a nova redação desse dispositivo, as contribuições sociais, nos casos de fixação de uma alíquota ad valorem, ou seja, da fixação de um percentual incidente sobre determinado valor, só podem ser calculadas sobre o faturamento, a receita bruta, o valor da operação econômica ou, no caso de importação, sobre o valor aduaneiro.

Mas a contribuição dos 10% do FGTS, que foi criada seis meses antes dessa emenda à Constituição, incide sobre “a totalidade dos depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), durante a vigência do contrato de trabalho, acrescidos das remunerações aplicáveis às contas vinculadas”.

O problema, então, é que essa base de cálculo não corresponde a nenhuma daquelas listadas no Artigo 149 da Constituição, por isso é que se diz que o art. 1º da Lei Complementar nº. 110 de 2001 tornou-se inconstitucional com o advento da Emenda nº. 33. Na linguagem jurídica, costuma-se falar em “inconstitucionalidade material superveniente”.

 

Mas o que diz o Poder Judiciário?

Diante desses três argumentos que têm sido levantados pelos advogados desde a criação da contribuição de 10% do FGTS, o que tem decidido o Poder Judiciário?

Bom, já vimos que o argumento da falta de correlação entre necessidade pública e a fonte de custeio foi apreciado e rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, mas, quanto aos outros argumentos, ainda não existe uma posição definitiva dos tribunais superiores.

Decisões de juízes federais e de tribunais regionais federais do Brasil tem assumido, até o momento, posições diferentes. As decisões que chegaram aos jornais recentemente são dos Tribunais da 2ª e da 5ª região, que se referem, respectivamente, aos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e aos Estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.

O Tribunal regional da 3º região, que corresponde aos Estado de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, ainda não tem posições definitivas sobre os argumentos dos contribuintes.

 

E as empresas optantes pelo Simples?

Vale a pena destacar ainda que as empresas optantes pelo Simples Nacional têm um argumento adicional a seu favor. É que a Lei Complementar nº. 123 de 2006 define expressamente quais são os impostos e contribuições devidos por essas empresas, ressaltando ainda que “as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam dispensadas do pagamento das demais contribuições instituídas pela União”.

Assim, como a Lei não determina o pagamento da contribuição social de 10% do FGTS, as empresas que estão devidamente inscritas no Simples Nacional não são obrigadas a efetuá-lo.

 

Conclusão

Como se vê, a questão é complexa e a discussão em torno do assunto ainda não acabou, mas os argumentos em favor dos contribuintes são fortes. É possível propor ações perante a Justiça Federal buscando a declaração de que a contribuição não pode ser exigida. É possível também buscar a recuperação dos valores pagos a este título nos últimos cinco anos. No entanto, cada empresa deve avaliar a sua situação real para definir se vale a pena correr os riscos inerentes à propositura da ação, tendo em vista o que essa contribuição representa em sua contabilidade.

 

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