Muito se discute na Jurisprudência se o indivíduo que provoca um acidente de trânsito que resulta na morte de alguém, comete um homicídio culposo ou doloso (quando há a intenção de matar), ao assumir o risco de dirigir não apresentando condições para tanto.
Há pouco tempo vimos um caso emblemático sobre essa questão, com a condenação do ex-deputado federal Carli Filho a 9 anos e 4 meses de prisão por matar 2 pessoas no trânsito de Curitiba – PR., por homicídio com dolo eventual, onde foi admita a tese de que ele assumiu o risco de matar ao dirigir em alta velocidade e alcoolizado, julgamento esse ocorrido anos 27/02/2018 pelo Tribunal do Juri.
Vale destacar que essa decisão ocorreu dentro do período de vacatio legis da lei 13.546/2017, sancionada aos 19 de dezembro de 2017, com data para entrar em vigor em 19/04/2018, ou seja, hoje, a qual tem como objetivo principal fixar punições mais rigorosas aos motoristas que dirigem embriagados ou sob o efeito de drogas, condenados por acidentes de trânsito, com resultado morte.
De acordo com a nova lei, os motoristas responsabilizados por homicídio, sob a influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa, deverão cumprir pena de reclusão de 5 a 8 anos e suspensão ou proibição de dirigir.
Antes da entrada em vigor dessa lei, o Código de Trânsito Brasileiro estabelecia que os motoristas considerados culpados em acidentes de trânsito com morte de algum dos envolvidos (independente de estar embriagado ou não), respondia por homicídio culposo cuja pena estava fixada entre 2 e 4 anos.
Essa pena permitia, inclusive, que condenados por acidentes de trânsito com mortes sequer fossem para a cadeia.
Por tal razão a Justiça Brasileira, visando mudar esse hábito de violência no trânsito e inibir aqueles que insistem em dirigir mesmo sob influencia do álcool ou outra substancia psicoativa, passou a entender que ao dirigir nessas condições, o motorista assume o risco de provocar acidentes e, como tal, se aplica a ele as penas mais severas previstas na Legislação Penal, no caso, as penas do homicídio doloso que vão de 6 a 20 anos de reclusão.
Porém, como já dito acima, agora existe uma previsão expressa no Código de Trânsito Brasileiro, que estabelece uma qualificadora ao crime de homicídio culposo previsto no artigo 302, fixando a pena de reclusão de 5 a 8 anos e suspensão ou proibição do direito de dirigir aos motoristas que, dirigindo sob a influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa, provoquem acidente que resulte homicídio.
De um lado, esse aumento da pena é bem-vindo, pois, em inúmeros casos de acidentes fatais de trânsito envolvendo motoristas embriagados, o delegado estabelecia fiança dentro da própria delegacia e liberava a pessoa, o que, com a nova lei, não mais será permitido, sendo dever do delegado lavrar o auto de prisão em flagrante e comunicar o juiz, que decidirá ou não arbitrar a fiança para esse motorista.
Por outro lado, porém, entendo que ao oferecer denúncia, o Ministério Público não mais poderá enquadrar a conduta do motorista embriagado, que causou morte no trânsito, como homicídio doloso (dolo eventual), porque agora a Lei prevê expressamente que tal comportamento é considerado homicídio culposo qualificado.
Ou seja, de agora em diante, em caso de acidente de trânsito provocado por motorista embriagado que resulte na morte de alguém, esse motorista não mais responderá por homicídio preterdoloso (quando assume o risco de provocar acidente), mas apenas por homicídio culposo qualificado, que prevê penas menores que o crime doloso.
Percebe-se que as seguidas evoluções da lei de trânsito a respeito da embriaguez ao volante vêm tornando cada vez mais gravosa a punição aos motoristas, mas, nesse caso específico, retirou da Justiça a oportunidade de aplicar penas mais severas, como aquela aplicada no caso do ex-deputado acima citado.
Aliás, para casos em que houve punição da conduta do motorista embriagado que provocou acidente com morte, com a aplicação da pena prevista para o homicídio doloso (dolo eventual), é possível até se pretender buscar uma REVISÃO PENAL DO CASO, para aplicação da atual lei vigente, mesmo que tenha sido sancionada após o fato ocorrido, ainda que já decidido por sentença condenatória com trânsito em julgado (quando não há possibilidade de recurso).
Isso é possível em razão do que dispõe o Código Penal Brasileiro, que permite a retroatividade da lei penal quando esta, mantendo a incriminação do fato, torna menos gravosa a situação do réu.
Essas são as normas penais atuais, as quais, contudo, vão passar pelo crivo e interpretação do Judiciário, que irá, enfim, dizer se ainda é possível admitir a tese do reconhecimento do dolo eventual para casos tais ou se limitará a aplicação da agravante ao homicídio culposo, previsto no texto atual do Código de Trânsito Brasileiro, introduzido pela Lei 13.546/2017.
Roberto Machado Tonsig
Advogado – OAB/SP 112.762