A decisão do Plenário do STF a respeito da vacinação compulsória contra a Covid-19, prevista na Lei nº 13.979/2020, proferida na data de ontem (17/12/2020), certamente repercutirá nas relações de trabalho, seja no tocante às medidas a serem adotadas pelas empresas no ambiente laboral, seja no que se refere à possibilidade de aplicação de penalidades ao empregado que não comprovar ter sido vacinado.
Desde o início da pandemia provocada pelo coronavírus, o debate sobre o reconhecimento dos casos de contaminação pelo coronavírus como doença ocupacional é acirrado, especialmente após a decisão do STF que suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP 927/2020 (vigência encerrada em 19/07/2020), o que gerou incertezas sobre quais serão os reflexos no âmbito previdenciário e trabalhista, quando do afastamento do empregado em razão da COVID-19.
Parte da doutrina especializada e o Ministério Público do Trabalho (Nota Técnica GT Covid-19 20/20), entende que a Covid-19 é doença ocupacional, devendo, inclusive, ser emitido a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para funcionários que contraírem o vírus ou casos considerados suspeitos, isto quando a contaminação do trabalhador pelo vírus ocorrer em decorrência das condições especiais de trabalho, nos termos do parágrafo 2º do artigo 20 da Lei nº 8.213/91.
Outro debate que já se inicia diz respeito à obrigatoriedade da imunização, o que nos faz pensar se poderão ser adotadas medidas punitivas (advertência, suspensão e demissão por justa causa) contra os empregados que se negarem a se vacinar?
Ao meu sentir, da mesma forma que o reconhecimento da Covid-19 como doença ocupacional depende das condições especiais das atividades laborais executadas pelo empregado, a aplicação de medidas punitivas, no caso de recusa do empregado em se vacinar, também depende das condições especiais da sua atividade.
O exemplo mais adequado, penso eu, é o profissional de saúde na linha de frente no atendimento da população, pois logicamente o risco de contaminação no seu ambiente de trabalho é elevadíssimo.
Sendo necessária uma condição específica e especial para que os serviços sejam prestados de forma adequada, porém o trabalhador se recusa a atendê-la por sua vontade, ocorre a quebra de confiança, elemento fundamental para a continuidade do contrato de trabalho, além de praticar ato de indisciplina e de insubordinação, previsto na letra “h” do artigo 482 da CLT, que trata das hipóteses de dispensa por justa causa, bem como pode também ser o ato considerado como “mau procedimento”, previsto na letra “b” do mesmo dispositivo legal.
A decisão do STF não permite a vacinação forçada, contudo, no caso de recusa sem justificativa do empregado, o empregador não está obrigado a manter o contrato de trabalho de quem oferece risco de contágio aos demais, inclusive, no ambiente de trabalho.
Lembro, ainda, que o empregador deve manter uma política de conscientização de seus empregados, além de um ambiente de trabalho sadio e seguro, oferecendo todas as medidas necessárias para que o risco de contágio seja reduzido ao máximo. [15:56] Lucas
Ainda de acordo com a decisão do STF, conforme o voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do ARE 1267879, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. Com isso, o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade – como, por exemplo, ao obrigar o uso de cinto de segurança.
Trazendo este entendimento para as relações laborais, pode ser feita uma analogia entre a vacina e o EPI/EPC (Equipamento de Proteção Individual/Equipamento de Proteção Coletiva), posto que é obrigatório o fornecimento pelo empregador e o uso por parte do empregado do EPI/EPC, sendo, inclusive, passível de demissão por justa causa o empregado que recusar a sua utilização, nos termos do artigo 158, parágrafo único, da CLT.
Por outro lado, o empregador também poderá ser punido pelos órgãos competentes no caso de não implementar as políticas de saúde e segurança do trabalho, quando da promulgação das leis e normas em geral que venham a tratar da matéria.
Importante dizer que já existe norma trabalhista tratando da política de vacinação em estabelecimentos de saúde, conforme previsto na Norma Regulamentadora 32 (Portaria nº 3.214/1978):
32.2.3.1 O PCMSO, além do previsto na NR-07, e observando o disposto no inciso I do item 32.2.2.1, deve contemplar:
a) o reconhecimento e a avaliação dos riscos biológicos;
b) a localização das áreas de risco segundo os parâmetros do item 32.2.2;
c) a relação contendo a identificação nominal dos trabalhadores, sua função, o local em que desempenham suas atividades e o risco a que estão expostos;
d) a vigilância médica dos trabalhadores potencialmente expostos;
e) o programa de vacinação.
(…)
32.2.4.17 Da Vacinação dos Trabalhadores
32.2.4.17.1 A todo trabalhador dos serviços de saúde deve ser fornecido, gratuitamente, programa de imunização ativa contra tétano, difteria, hepatite B e os estabelecidos no PCMSO.
32.2.4.17.2 Sempre que houver vacinas eficazes contra outros agentes biológicos a que os trabalhadores estão, ou poderão estar, expostos, o empregador deve fornecê-las gratuitamente.
32.2.4.17.3 O empregador deve fazer o controle da eficácia da vacinação sempre que for recomendado pelo Ministério da Saúde e seus órgãos, e providenciar, se necessário, seu reforço.
32.2.4.17.4 A vacinação deve obedecer às recomendações do Ministério da Saúde.
32.2.4.17.5 O empregador deve assegurar que os trabalhadores sejam informados das vantagens e dos efeitos colaterais, assim como dos riscos a que estarão expostos por falta ou recusa de vacinação, devendo, nestes casos, guardar documento comprobatório e mantê-lo disponível à inspeção do trabalho.
32.2.4.17.6 A vacinação deve ser registrada no prontuário clínico individual do trabalhador, previsto na NR-07.
32.2.4.17.7 Deve ser fornecido ao trabalhador comprovante das vacinas recebidas.
Conclui-se, portanto, que ambos, empregador e empregado, devem observar as regras relativas à vacinação da Covid-19, a fim de manter um ambiente de trabalho equilibrado, adequado e livre de riscos à saúde de todos.